The Irish Times Magazine: Caitriona Balfe, a famosa secreta da Irlanda

  • 16 de fevereiro de 2019

De sua infância na zona rural de Monaghan, a estrela do drama de viagem no tempo Outlander silenciosamente estabeleceu uma carreira como supermodelo e, agora, como uma das mais-mais da TV, com quatro indicações ao Globo de Ouro

Há algo que eu aprendi há muitos anos e parece muito bobo, mas sempre ficou comigo.

Caitriona Balfe está se recordando de uma lição de vida, com um chá de hortelã e um folheado de chocolate em um bistrô em Los Feliz, próximo de Hollywood, em Los Angeles. Essa coisa que ela aprendeu veio de uma fonte improvável: uma aula de atuação de 5 dólares que ela se matriculou anos atrás. (“Essas são as coisas estranhas que eu fiz, quando eu queria ser uma atriz em LA, quando cheguei aqui.“) Ela se lembra do cara que estava dando a aula, “falando sobre libertar e destruir a necessidade ‘do que’ quer que seja. Se você vai fazer um teste e está nervoso porque quer que as pessoas gostem do que você está prestes a fazer: liberte e destrua a necessidade de ser amado.

Balfe aprendeu a se permitir deixar para lá essas coisas que nos amarram, superar os sentimentos. “É algo tão simples e tão bobo, mas funciona para uma infinidade de razões. O que quer que seja… apenas deixe para trás, deixe isso de lado.” Ela para. “Muito do que te deixa louco é apenas os seus próprios pensamentos, certo? Então, se você puder parar esse espiral em um momento…” A pausa se interrompe e ela mesma se corta. “Isso soa tão patético e tão de LA.

Balfe é uma estrela. Interpretar a protagonista em Outlander deu a ela um nível de fama e sucesso que a Irlanda não consentiu tanto quanto os Estados Unidos, dado que a série não foi exibida em horário nobre aqui.

Balfe foi indicada para quatro Globo de Ouro consecutivos, ela perdeu apenas para Taraji P Henson, Claire Foy, Elisabeth Moss e Sandra Oh, consolidando o seu status de uma das principais atrizes da televisão norte-americana.

Outlander, uma história de drama de viagem no tempo centrada em uma enfermeira da Segunda Guerra Mundial, Claire Randall, interpretada por Caitriona Balfe, que vai e volta entre a Escócia do século XXVIII e a América de meados do século XX, poderia ter sido apenas mais uma ficção histórica decente, mas a qualidade do material original (a série de livros de Diana Gabaldon), a qualidade do elenco, o roteiro e a direção e o nível intenso dos fãs da série, a tornam algo sério.

Também foi, basicamente, o primeiro grande trabalho de Balfe, e um bastante abrangente. A produção dura quase um ano e agora está entrando na quinta temporada, com uma sexta já garantida. A produção filma principalmente na Escócia, embora também tenha viajado para Praga e África do Sul. Fora de Outlander, Balfe esteve excelente em Jogo do Dinheiro (Money Monster), de Jodie Foster, ao lado de George Clooney e Julia Roberts em 2016 e ainda este ano, será vista em Ford v Ferrari, de James Mangold, um drama biográfico sobre a corrida entre as montadoras de carro para ganhar a Le Mans de 1966. Balfe interpretará Mollie Miles, a esposa do piloto de corridas e engenheiro Ken Miles, interpretado por Christian Bale. Matt Damon também está no filme. Boa companhia.

Destinada à grandeza

Sempre destinada à grandeza,” é como um antigo colega de escola descreve Balfe. Ela cresceu próximo à Tydavnet, no Condado de Monaghan, e passou a estudar teatro no DIT, em Rathmines, antes de ser descoberta por um caça-talentos e embarcar em uma carreira nas passarelas, quando adolescente, se tornando uma das modelos mais conhecidas e requisitadas do mundo. Embora não haja como negar o poder de estrela de Balfe, pessoalmente ela é incrivelmente discreta, relaxada, sem nenhuma cerimônia. Ela é tão discreta que eu não vejo nenhuma cabeça se virar quando ela entra no restaurante, enquanto ela se senta alegremente na mesa, sem maquiagem e em roupas casuais. Há zero ar de superioridade, nenhum fator de intimidação, apenas solidez realista. Ela revira os olhos para ela mesma, quando decide que algo que ela disse é “muito LA” (o que mal é), fica séria quando fala sobre representatividade feminina no set e é incrivelmente inteligente.

A inteligência dela!” a atriz Maria Doyle-Kennedy, que interpretou a personagem Jocasta Cameron na mais recente quarta temporada de Outlander, me contou por telefone. “Você sempre a encontra no set com um livro. Ela é uma leitora feroz.

Os livros desempenharam um papel importante na educação de Balfe. Quando ela tinha uns seis ou sete anos, o pai dela, um guarda, decidiu que a família não teria uma televisão. Por cerca de seis anos, a única vez que ela e seus irmãos tinham televisão em casa era durante duas semanas no Natal. Então ela lia. De tudo. Antes de começar o ensino médio, o livro preferido dela era O Morro dos Ventos Uivantes. Ela alternou para Aldous Huxley, George Orwell e Robert Pirsig. Por volta da época da sua prova final do ensino médio, ela estava lendo muito Ian McEwan.

O pai dela estava em uma trupe de comédia, ganhando competições Scór. E ela também gravitou em direção ao teatro. “Desde muito jovem, sempre me envolvi em teatro, por mais avançado e desenvolvido que o teatro juvenil na pequena vila em que cresci fosse, mas sempre foi a minha paixão fazer isso.” Por quê? “Provavelmente uma infinidade de razões. Se o meu pai tem alguma aptidão para isso, provavelmente algo foi passado para mim… eu também sou a quarta filha, então, provavelmente, muita busca por atenção.

Mas atuar, ela diz, também é como ela processa as experiências, observa o mundo ao redor dela, entende os relacionamentos e o que motiva as pessoas. “Acho que também foi escapismo. Eu cresci na década de 1980 em Monaghan, onde não havia muita coisa para fazer. Havia também muito bullying na escola primária que eu frequentei. Acho que foi uma fuga para sair de onde eu estava.” Que tipo de bullying era esse? “Digamos que ser filha de um guarda nos condados de fronteira dos anos 80 não era a coisa mais fácil.

Dezesseis horas por dia

Parte do motivo da atuação de Balfe em Outlander ser tão convincente é porque está enraizada no trabalho duro. Quando a primeira temporada foi encomendada, o elenco e a equipe estavam gravando na Escócia, relativamente fora do radar. Sem um milhão de olhos nela, Balfe pode existir longe dos holofotes, aperfeiçoando a sua personagem sem distrações, sem público e sem comentários externos.

Como alguém que tinha tão pouca experiência, foi um presente e tanto, pois eu realmente pude me estabelecer,” ela diz. No entanto, foi difícil. “Eu nunca trabalhei tanto quanto no primeiro ano. Nos primeiros seis meses, estávamos fazendo quinzenas de 11 dias e de 16, 17 horas por dia, com cinco horas de sono. Só  fizemos isso firmemente e trabalhamos direto por um ano. Foi doido.

Como alguém aguenta com esse nível de intensidade? “Não aguenta! Eu quase perdi a cabeça no primeiro ano. Mas eu não tinha mais nada para fazer. O vinho tinto geralmente é um bom apoio.

O primeiro apartamento dela durante esse período não tinha recepção telefônica e nem internet. “Então eu estava literalmente comendo, dormindo, vivendo Outlander. E sim, eu quase perdi a cabeça, mas, ao mesmo tempo, acho que as circunstâncias às vezes podem conspirar para lhe dar a melhor oportunidade na vida. Acho que a imersão completa na personagem e não ter nenhum tipo de vida fora disso foi provavelmente uma das melhores coisas que poderiam ter acontecido, porque eu pude conhecer essa personagem, interpreta-la e vivê-la de uma maneira que se eu tivesse tido um relacionamento ou se eu tivesse amigos ou algum tipo de vida externa que precisasse de atenção, talvez eu não estivesse tão envolvida e focada nisso. E, então, essa base nunca teria acontecido por causa da imersão.”

E são as lembranças também. O que é uma pessoa ou um personagem, se não uma série de lembranças e experiências? Então, sabe, nesta altura, eu já tenho uma imagem e tanto de quem a Claire é, porque eu vivi isso e passei por isso em cenas e todos esses momentos. É uma ótima base. A cada temporada você está apenas construindo em cima de todas essas experiências ricas. Essa é a beleza da televisão; é a beleza de fazer algo em longo prazo. Você realmente consegue, de certa forma, criar um ser vivo dentro de sua própria mente.

Bolha de desilusão

Quando ela se mudou para LA, ela costumava dizer a si mesma que viveria em uma “bolha de ilusão” de que a carreira dela daria certo. Ela diz que conhecia apenas uma pessoa na cidade. Ela não sabia muito bem como se locomover. Ela leu sobre uma aula de teatro e começou a frequenta-la. Além de ter aulas, ela se encaixou no papel do que ela chama de uma amiga profissional.

Houve um longo período, ela diz, em que ela estava “meio que se debatendo na terra de ninguém, apenas tipo, ‘Eu não sei como conseguir um agente!’” Mas essa “bolha da ilusão” acabou abrigando um talento muito real. De vez em quando, ela conseguia um pequeno trabalho. “Era com pessoas boas o suficiente para me fazer pensar, ‘certo, se eu posso estar em uma cena com essa pessoa e não me envergonhar completamente, então talvez eu possa fazer isso’. Acho que em algum lugar eu tinha essa autoconfiança, mesmo que ela provavelmente estivesse enterrada lá no fundo, às vezes. Mas acho que no final das contas eu pensava: posso fazer isso dar certo.

Tipo, acho que sou muito resiliente,” ela diz, tentando pensar em seus principais traços de personalidade. “Eu gostaria de dizer que é a minha empatia ou alguma besteira como essa. Mas, em algum lugar, eu sempre soube. Eu vim para L.A. um pouco tarde, mas mesmo antes disso, quando eu estava trabalhando antes, muito disso é ter a bendita coragem de continuar por aí e ser persistente diante de muita rejeição. Mas acho que isso também vem de acreditar que se há algo que você goste tanto de fazer, algo que pareça natural, de alguma maneira isso deve ser o que você deve fazer. Mas eu imagino que muitas pessoas se sentem assim, então eu não sei. Eu não sei por que eu tinha mais direito do que qualquer outra pessoa de continuar por aí.

Depois de continuar por aí e ser bem sucedida, Balfe agora está crescendo. Ela vai retornar para a quinta temporada de Outlander como produtora, ao lado de seu colega de elenco, Sam Heughan, que fora da série se destacou no ano passado em Meu Ex é Um Espião (The Spy Who Dumped Me). Balfe também está escrevendo, trabalhando em dois projetos com foco na Irlanda, ambos no estágio do primeiro rascunho. Um é apenas dela e outro com um amigo. “Eu não sou boa quando fico entediada,” diz Balfe, “eu fico atrevida quando entediada, é. Eu fico travessa. Ainda existe uma criança pestinha dentro de mim. Entediada na escola, balançando em uma cadeira.

Um lugar carente

Como atriz, ela diz que há anos em que “você está apenas pedindo permissão para fazer o seu trabalho, quando se está começando. Você vem de um lugar tão carente. Você entra em salas e fica tipo, ‘goste de mim, goste de mim’, sabe? Então, chegar a um lugar onde você fica, ‘oh, posso ter ambições além disso ou se dar permissão de ter ambições além disso é algo grande.

Com a conversa em torno da igualdade de gênero em áreas onde as mulheres são sub-representadas no cinema e na televisão sempre aumentando, Balfe diz que cabe a ela e as pessoas como ela fazer sua parte para ajustar o desequilíbrio.

Olhando para o desequilíbrio de poder e porque não há mulheres suficientes em posições de tomada de decisão, você percebe que uma grande parte disso é também que precisamos ir além e nos tornar esses números, nos tornar esses números de diretores que são mulheres, de escritores que estão criando os papéis. Acho que isso foi um grande alerta para mim, porque depende de cada um de nós fazer a nossa parte. E então é tipo, ‘Certo, bem, eu gostaria de fazer isso.’ Então, okay, pare de enrolar. Apenas faça. O objetivo seria pelo menos tentar [dirigir] uma vez e ver se eu sou boa. E para isso é, em parte, um dos projetos que estou escrevendo, o objetivo é dirigir isso eu mesma.

Ajuda que Outlander teve várias diretoras no comando e que Balfe foi dirigida por Jodie Foster em Jogo do Dinheiro. “Ela foi extremamente inspiradora,” ela fala sobre Foster, “Falar com ela, o intelecto dela é incrível. Nossa, cara. Tipo, sabe, você vai a uma reunião e acha que está preparada? Obviamente, [Jogo do Dinheiro] era [sobre] o mundo das finanças e eu li todos os livros de Michael Lewis e todos os artigos, mas você entra e tem uma conversa com ela e fica, ‘Certo, eu estou tão longe disso.’ Ela é incrível. Ela não é intelectual de uma maneira arrogante ou não é intencionalmente intimidadora… Ela é tão ótima. As ideias dela são tão boas.

Há tanta desigualdade

Mudar o status quo nos sets, quando se trata de gênero, levará tempo, esforço e pessoas. Também será necessária uma mudança na cultura que se estenda muito além das indústrias de cinema e televisão. “Eu definitivamente acho que com a nossa série, para a terceira temporada que gravamos há dois anos, tentamos fazer a temporada completa com diretoras. Acabou que não conseguimos ela toda, mas foi mais de 50%.

Para qualquer grande série de TV, isso é importante. “A nossa sala de roteiristas tem muitas mulheres. Nossos produtores executivos, dois homens e duas mulheres. Até os nossos executivos, há muitas mulheres,” Balfe diz, “Mas quando você olha para as equipes, talvez 95% são homens. Muito disso é tradição. Provavelmente, uma grande parte disso seja as horas loucas. Se você olhar para as mulheres jovens que entram no negócio, elas podem progredir, mas você não começa a chegar no ápice de sua experiência, os cargos seniores, até chegar nos seus 30 e poucos anos, que geralmente é quando as mulheres querem ter filho se quiserem ter filho… Muitas das mulheres desaparecem durante esses anos e, para elas, é impossível retornar ou voltar no mesmo nível em que estavam. E isso é um grande problema no setor.

Os membros da equipe masculina, diz Balfe, têm parceiras que tiveram filhos durante toda a duração das produções e, como muitas mulheres reconhecerão em campos dominados pelos homens, é uma proposta diferente, “Eu não sei dizer quantos doas caras, as namoradas tiveram filhos e todos puderam ter famílias, tiveram esse ótimo trabalho por cinco anos, e isso não afetou eles, exceto, talvez, pelo sono deles à noite. Eles podem ter tudo. O que você faz sobre isso?

Balfe fala ardentemente e com perspicácia sobre esses assuntos. “Na nossa indústria, os dois principais departamentos liderados por mulheres são os dois que recebem o menor salário e que trabalham por mais tempo: o de figurino e de cabelo e maquiagem. Existe tanta desigualdade. Não há problema em falar sobre os salários dos atores versus os salários das atrizes, isso é um problema, mas geralmente estamos em posição privilegiada. E agora temos alguma visibilidade para podermos falar sobre isso e, espero, ter algumas reparações. Mas para as mulheres que trabalham por trás [das câmeras], isso é um problema. Eu não sei o que se faz quanto a isso, mas algo precisa ser feito. E se as pessoas querem que climas ou culturas mudem nos sets ou atrás da câmera com todos os departamentos de lá, é uma mudança holística que é necessária.”

Se reconectando com a Irlanda

Balfe, que completa 40 anos no final deste ano, agora passou mais tempo fora da Irlanda do que nela. O acento em seu primeiro nome desapareceu. “Eu o tirei para os Estados Unidos, para tornar mais fácil,” ela disse uma vez no The Late Show with Stephen Colbert, como parte da tradicional conversa de abertura do programa, que o apresentador do talk show norte-americano reserva para a ortografia dos nomes dos atores irlandeses.

É interessante, então, que os próprios projetos dela pareçam estar voltando para a Irlanda. “Há um pouco de necessidade de uma reconexão ou um retorno,” ela diz. “Reconectar com o lar. Digo, eu nunca trabalhei como atriz na Irlanda. Eu não trabalho na Irlanda desde os 18 anos de idade. E é tão engraçado, porque grande parte da sua identidade é de onde você vem. Mas o país de onde eu sou é completamente diferente do país em que cresci.

Os colegas de elenco de Balfe falam sobre sua generosidade como atriz e sua disposição acolhedora. Ela defende o trabalho deles fora da série e os engrandece nas mídias sociais. Doyle-Kennedy menciona um momento em que ela percebeu que Balfe tinha saído e escutado o último álbum dela, espontaneamente, e conversado sobre ele com ela, quando voltou ao set. “Acho que, na essência, o que estou tentando dizer sobre CB,” Doyle-Kennedy escreve por mensagem depois de termos uma conversa sobre Balfe, “é que ela usa a posição dela como número 1 da série para o bem de todos os envolvidos. Ela está ciente e apoia o trabalho das pessoas ao redor dela e qualquer mudança que ela procuraria seria para o bem comum, em vez de algum ganho pessoal. Ela é tão inteligente quanto é linda, ela é uma força acolhedora no set e na vida real.