THR – Coluna de Convidados: Caitriona Balfe pede aos legisladores de Nova York que aprovem lei dos trabalhadores da moda

  • 03 de abril de 2023

Em 02 de junho de 2022, Caitríona Balfe escreveu um artigo na coluna dos convidados da The Hollywood Reporter, pedindo que os legisladores de Nova York aprovassem uma lei para os trabalhadores da moda para proteger modelos. Ela falou sobre uma proposta de lei estadual que reformaria as agências de modelos, criando, diz ela, “proteções básicas para a força de trabalho criativa da moda“.

Muito antes de começar a atuar, passei quase 10 anos trabalhando como modelo. Percorri as passarelas de marcas como Victoria’s Secret e as casas de moda Louis Vuitton, Givenchy, Chanel e muitas outras. Mas, apesar do meu sucesso, ainda experimentei as desvantagens de trabalhar em um setor amplamente não regulamentado, como não ser receber salário em dia, se ao menos receber. Tudo mudou quando me tornei atriz, mas a mesma rotina na moda continua – e pior.

Superficialmente, ser atriz e ser modelo têm uma estrutura de negócios quase idêntica: as agências reservam trabalhos em seu nome como talento. Por que, então, essas duas indústrias têm responsabilidades totalmente diferentes com suas forças de trabalho criativas?

Bem, por um lado, a moda é uma indústria composta em grande parte por mulheres e meninas. Para muitos, o trabalho de modelos não é visto como “trabalho”, mas sim como os benefícios de ganhar na loteria genética. Assim, modelos são vistos como privilegiados, sem talento ou habilidade e, portanto, indignos de proteções básicas ou mesmo de empatia. Isso contrasta com os atores, que são vistos como talentosos – e até ganham uma temporada de premiações amplamente televisionada celebrando esses talentos – além das proteções de que desfrutam por fazer parte de uma força de trabalho fortemente sindicalizada.

Mas a verdadeira questão aqui é que muitas agências de modelos criaram e se beneficiaram de um sistema no qual não assumem nenhuma responsabilidade pelo avanço na carreira ou dos interesses financeiros de uma modelo, mas ainda assim ditam os termos para eles. Isso é muito diferente do relacionamento que experimentei com minha agência como atriz.

Ao contrário das agências de talentos, que são consideradas agências de emprego, as agências de modelos são classificadas como “empresas de gerenciamento”. Muitos contratos dão o “poder de procurador” para agências de modelos, permitindo que aceitem pagamentos e negociem valores em nome da modelo, sem o conhecimento dela; deposite cheques e deduza despesas inexplicáveis, em cima de uma comissão generosa; forçe modelos e criativos a assinar contratos exclusivos plurianuais que se renovam automaticamente, sem qualquer obrigação de agendar trabalhos para eles; e até mesmo dar permissão a terceiros para usar a imagem de uma modelo ou coletar royalties sem ter que pagar a modelo por esse uso.

E, no entanto, as agências de modelos não têm responsabilidade fiduciária para com o talento que representam. Portanto, é comum que as agências negociem taxas baixas ou até mesmo pagamento “in-trade“, ou seja, na forma de roupas, enquanto cobram aluguéis caros por colocar 10 meninas em um apartamento de dois quartos.

Embora tenha tido a sorte de ser representada por alguns agentes incríveis quando fui modelo, ainda experimentei o que em qualquer outro setor seria considerado uma violação maciça dos meus direitos como trabalhador. Enquanto trabalhava em Milão, ganhei 240.000 euros, mas nunca vi um centavo disso. Isso porque os financiadores por trás da agência supostamente desviaram o dinheiro de suas modelos para contas bancárias privadas e a agência declarou falência. Recuperar esses ganhos exigiria ligar para todos os clientes para os quais trabalhei, incluindo Miuccia Prada, Domenico Dolce, Stefano Gabbana, Angela Missoni e assim por diante, e pedir que testemunhassem que eles haviam me contratado pelo meu tempo. Isso claramente não era uma boa estratégia se eu quisesse continuar trabalhando. Não fui a única modelo a perder dinheiro com essa agência, nem mesmo sofri a maior perda. Que eu saiba, nenhuma quantia foi recuperada.

Depois disso, eu sabia que tinha tido o suficiente. Fiz algo que as modelos são instruídas a nunca fazer: disse à minha agência que me recusava a continuar trabalhando para outra marca que nunca pagava em dia até receber todo o dinheiro devido. Demorou um ano para receber meus ganhos.

Pouco depois dessa experiência, fui atrás do meu sonho de atuar. E, de repente, pela primeira vez em minha vida profissional, eu sabia quando meu contracheque estava chegando e quanto haveria nele. Finalmente havia uma estrutura para quando meu dia começaria e terminaria. E havia contratos, aos quais eu teria acesso e meu próprio advogado poderia discuti-lo comigo. Essas foram as mudanças dramaticamente simples que experimentei quando minha carreira estava nas mãos de agências de talentos obrigadas a agir em nome dos interesses de seus clientes.
Todo trabalhador merece esse nível de transparência financeira. Agora, um novo projeto de lei em Nova York poderia interromper o desequilíbrio de poder que governou a indústria da moda de US$ 2,5 trilhões por décadas.

A Lei dos Trabalhadores da Moda, lançada pela Model Alliance no início deste ano, fecharia a brecha legal pela qual as empresas de gerenciamento escapam da regulamentação e se envolvem em comportamento predatório. Isso criaria proteções básicas para a força de trabalho criativa da moda, forçando empresas e clientes a fazer coisas bizarras, como pagar talentos dentro de 45 dias após a conclusão de um trabalho, fornecer cópias de seus contratos e acordos aos talentos e conduzir uma investigação razoável sobre saúde e segurança no set onde eles estão enviando talentos, para citar alguns.

Modelos são ensinados a aceitar essas injustiças com calma: seja legal e não balance o barco. Isso não cria um ambiente para organização. E é por isso que os legisladores de Nova York devem agir e aprovar a Lei dos Trabalhadores da Moda e mudar as regras da indústria para sempre.

Caitríona Balfe é atriz, produtora e ex-modelo. Desde 2014, ela estrelou como Claire Fraser no drama histórico da Starz Outlander, pelo qual recebeu cinco indicações ao Globo de Ouro. Mais recentemente, ela estrelou o filme de Kenneth Branagh Belfast, pelo qual recebeu indicações ao SAG Award e ao BAFTA Award. Balfe também estrelou em filmes como Ford v FerrariJogo do Dinheiro, Truque de Mestre, Rota de Fuga e Super 8.